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"Temos hoje um sistema político pior do que em 2013"

7 de julho de 2023

Em entrevista à DW, cientista político Fernando Abrucio aponta que protestos difusos fracassaram em melhorar o sistema que contestavam. Em uma década, Centrão se fortaleceu e freia ritmo de mudanças do país.

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Milhares de manifestantes percorrem a Avenida Paulista, em São Paulo, em 22 de junho de 2013. A imagem tirada do alto mostra a fachada envidraçada do MASP (Museu de Arte de São Paulo) do lado esquerdo.
Milhares de manifestantes percorrem a Avenida Paulista, em São Paulo, em 22 de junho de 2013.Foto: Nelson Antoine/AP/picture alliance

O principal efeito dos protestos de junho, que tomaram proporções nacionais e cujos contornos se diluíram em várias demandas em 2013, foi o fortalecimento do discurso antissistema político-partidário e o descrédito dos eleitores na política na última década.

A avaliação é do cientista político Fernando Abrucio, que diz que, por essa ótica, "não há nada a comemorar de 2013". 

O professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, é consultor de governos e de organizações não-governamentais no Brasil e de organismos internacionais, como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da ONU e o Banco Mundial. Realizou projetos em países da América Latina e pesquisa questões como reforma do estado, gestão pública, federalismo e relações intergovernamentais. 

Para o também autor de estudos na área de Educação, o grande vencedor do processo de polarização na política brasileira é o que ele chama de "fortalecimento da oligarquia do Centrão". Abrucio explica que a dinâmica desse grupo de partidos que não se identifica necessariamente nem com quem está no poder, nem com a oposição, não impede a realização de mudanças pelo governo, mas reduz a velocidade e aumenta o custo de mudanças econômicas e sociais esperadas, "num valor muito alto para a República brasileira".

Confira a entrevista:

Na sua visão, o que foi o junho de 2013 para o Brasil?

O junho de 2013 foi a combinação de várias coisas, cujos resultados foram inesperados. Em certa medida, começou como um movimento estudantil, basicamente de classe média, que estudava em universidades públicas, defendendo tarifas de ônibus mais baratas, o que já era um movimento de uma década, na verdade, em várias cidades do país.

Interessante notar que, ao longo do tempo, grupos mais de extrema esquerda foram tomando conta desse debate do transporte coletivo e que tentaram usar uma tática, digamos, mais próxima do anarquismo, de fazer mobilizações sem nenhum comando. Só que no meio do caminho aconteceram duas coisas importantes. 

Quais foram?

Uma foi a repressão feita pela polícia. E, segundo, movimentos que não tinham nascido em 2013 – já vinham há quase uma década –, mais à direita, aproveitaram aquele momento, em que havia uma indignação geral. Começou a haver muita crítica, que veio inicialmente mais da esquerda do próprio PT. Esses movimentos também foram para a rua juntos. Houve uma combinação de movimentos completamente contrários, expressando uma indignação difusa contra o poder público. O que juntava esses grupos era um sentimento de antissistema. 

Como isso reverberou nos anos seguintes?

Cresceu no Brasil a partir de 2013 até 2018 um sentimento contra a política, contra o sistema político. E esse movimento, no qual estava muita gente diferente entre si, favoreceu, sem dúvida alguma, a ascensão do Bolsonaro, embora sua ascensão tenha se devido a outros fatores também. 

É interessante, porque aqueles que criticavam a globalização desde [as manifestações anticapitalistas contra a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio em] Seattle – que era um movimento mais à esquerda –, e esses movimentos mais populistas de direita, mais recentes, tipo [o partido ultraconservador espanhol] Vox [fundado em 2013], eles todos são antissistema. Tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda.

O que lembra do movimento das ruas no Brasil em junho de 2013?

É muito interessante como as ruas foram tomadas por manifestações com sentidos difusos, por gente mais de classe média que viu naquilo uma possibilidade de expressar algum descontentamento. Mas os grupos que estavam mais organizados eram de extrema direita ou de extrema esquerda. E a lógica contra o sistema político nasce ali, mas se fortalece claramente com a Lava Jato, com o impeachment da Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer

Qual a lição que fica desde então?

A lição democrática que a gente tem que tomar disso é que o discurso do antissistema sempre leva à destruição do sistema e não à sua reconstrução. Esse levou à destruição de um sistema partidário, que tinha problemas, mas que organizou uma democracia com razoável estabilidade econômica e grandes avanços sociais, desde o impeachment do [ex-presidente Fernando] Collor. Com o discurso e os fatos que vieram posteriormente e favoreceram a ascensão do Bolsonaro, nós ficamos com um sistema político pior do que tínhamos, em 2021. Temos hoje um sistema político pior do que tínhamos em 2013. As pessoas têm dificuldade de dizer isso, mas o sistema político brasileiro hoje é pior do que tinha em 2013. 

Onde ele deteriorou?

O 2013 foi um fracasso na melhoria do sistema político brasileiro e foi muito bem-sucedido como o primeiro embrião para a destruição do sistema partidário. Nós tínhamos na verdade, primeiro, um bipartidarismo presidencial, entre o PT e o PSDB, que organizava mais ou menos de forma civilizada a agenda pública. O PSDB praticamente não existe mais. O PT virou um partido mais defensivo, até para sobreviver à polarização. Quando a gente olha, isso enfraquece a agenda pública. E é a cara particularmente da Câmara federal brasileira, dominada por uma oligarquia que está viciada em orçamento secreto, por agendas públicas completamente estapafúrdias com o mundo contemporâneo, desde agendas morais extremistas até agendas contra o meio ambiente, contra a questão indígena. 

O que caracterizava esse momento do bipartidarismo?

PT e PSDB, mesmo com suas linhas, brigas, não era o jogo da polarização. O jogo da polarização é destruir o adversário. O jogo do PT e do PSDB era de competição. Polarização não é competição. Polarização é destruição. Qual o significado disso? A política brasileira se tornou mais violenta, mais odiosa depois de 2013. 

Repito, 2013 não explica completamente isso. Mas por ter sido o germe da lógica do antissistema, obviamente que produziu um caminho muito mais fácil para uma lógica de uma política mais baseada no ódio e na violência. Então assim nós pioramos o sistema político brasileiro inegavelmente. A reconstrução vai demandar anos de política democrática. O último sinal disso foi 8 de janeiro de 2023. Claro que ele não é consequência direta de 2013. 

O que resultou desse período todo?

Num sistema político que virou mais oligárquico, o grande vencedor de todo esse processo da polarização – e esse é o grande paradoxo do Brasil – é o fortalecimento da oligarquia do Centrão. Olhando por toda essa ótica, não há nada a comemorar de 2013. Aqueles meninos que lutavam por tarifa zero não eram os pobres da periferia de São Paulo, não há nenhum dado que mostra isso. Basearam-se numa lógica completamente extremista-anarquista e, de modo involuntário, favoreceu outros extremistas. A reconstrução do sistema político vai ser dura, vai ser complexa, difícil. 

Como o Centrão impacta as mudanças esperadas para a economia e outras reformas?

Este é o ponto central. Não impede mudanças, porque estão ocorrendo em alguma medida. Mas reduz a velocidade e aumenta o custo para fazer essas mudanças, num valor muito alto para a República brasileira. Qual é a saída que o governo está propondo? Em parte, ele está emparedado e às vezes faz decisões irracionais, porque não consegue sair da lógica da polarização. 

Mas, em parte, onde consegue criar uma agenda de mudança ... a estratégia do governo é: se até o final de 2024 [data de eleições municipais] o cenário econômico for melhor do que o atual, no segundo biênio as mudanças podem ser mais velozes e o poder desse grupo, menor. É uma possibilidade [que] não acho absurda. Mas, mesmo que seja correta, a reformulação deste centrismo oligárquico e corrupto, criado pela lógica do antissistema, vai demorar pelo menos mais um mandato presidencial para ser reformado.