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"Barganha e ânsia dos deputados não vão diminuir"

1 de julho de 2023

Em entrevista à DW, cientista política Beatriz Rey avalia articulação política da gestão de Lula nos primeiros seis meses foi ruim e que governo precisa entender nova correlação de forças no Congresso Nacional.

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Lula e Arthur Lira
Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Modelo de distribuição de cargos e emendas já não parece ser tão eficazFoto: MauroPimentel/AFP

Às vésperas do recesso parlamentar que interrompe os trabalhos no Congresso Nacional até o início de agosto, o líder do PT na Câmara dos Deputados, José Guimarães (CE) analisou os primeiros seis meses de gestão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre as considerações feitas pelo parlamentar em seu pronunciamento, ele afirmou que, após alguns desencontros, a articulação política está "azeitada”. O petista disse ainda que Lula pediu reuniões semanais ou quinzenais com líderes dos partidos na Câmara para destravar votações de interesse do governo.

A avaliação feita pelo deputado, um dos responsáveis pela articulação política entre o Executivo e o Congresso é mais um sinal de que o tema foi um dos principais problemas do governo ao longo do primeiro semestre. As derrotas em votações como o Marco do Saneamento e Marco Temporal, e a vitória apertada na análise da Medida Provisória de reorganização dos ministérios ligou um sinal de alerta na cúpula petista.

Além de Guimarães, a articulação do governo com os parlamentares é feita também por José Padilha, que ocupa a Secretaria de Governo, e Rui Costa, da Casa Civil. Ambos são alvos de críticas. "Erraram muito, e me surpreende que Padilha ainda esteja no governo”, analisou Beatriz Rey, doutora em ciência política, pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), da Uerj, e da Fundação PopVox (EUA).

Em entrevista à DW Brasil, ela afirmou acreditar que o governo ainda está tentando entender a correlação de forças com o Congresso para criar uma base mais sólida, sobretudo na Câmara.

O modelo de distribuição de cargos em ministérios e emendas parlamentares, que segundo a especialista garantiu o sucesso de Lula em seu primeiro mandato, em 2003, já não parece ser tão eficaz. "Aparentemente, só distribuição de ministérios e cargos não está satisfazendo a ânsia dos deputados. Tem que se levar em conta que os deputados tiveram muito acesso a poder e recurso nos últimos quatro anos, então a barganha vai ser maior.”

Para solucionar o problema, Rey defende uma articulação mais próxima dos deputados, como fez o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para aprovar o texto do arcabouço fiscal – o tema foi para o Senado. Ela também propõe uma estratégia: angariar apoio em um pacote de projetos prioritários do governo. "Tem dez projetos prioritários? Faça um acordo de apoio baseado nesses dez projetos. É um jeito de conter a ânsia."

DW Brasil: Nesses primeiros seis meses de governo, um dos principais problemas do governo tem sido a articulação política. Por quê?

Beatriz Rey: Estamos em um momento no qual o governo percebeu que tem problema de articulação política, sobretudo com a Câmara. Há alguns episódios recentes que ilustram isso, como a tramitação da Medida Provisória de reorganização dos ministérios.

Ali houve o diagnóstico de que essa articulação estava meio capenga. Em janeiro, quando o governo estava começando, o Lula deu algumas entrevistas falando que o balanço do poder com o Legislativo havia mudado, algo que o Arthur Lira também ressaltou. Mudou porque o Congresso se fortaleceu ao longo dos últimos anos, especialmente durante os quatro anos do governo Bolsonaro, e de maneira não institucionalizada. Mesmo diante dessa desse novo cenário, que é muito diferente do cenário que o presidente Lula encontrou em 2003, o governo ficou um pouco perdido.

Há um outro componente: esse Congresso é conservador. Temos um governo de centro-esquerda, diante da frente ampla que foi feita nas eleições, diante de legisladores mais à direita. Então, são dois problemas de começo: o fortalecimento do Congresso e, ao mesmo, o fato de ele estar mais à direita. Diante desse cenário, acho que o governo cometeu alguns erros.

Quais foram os erros?

Vou fazer uma pequena retrospectiva do Congresso nos últimos anos. Em 2009 nós tivemos o primeiro ano em que o Congresso aprova em maior quantidade projeto de lei e projeto de lei complementar de autoria de parlamentares do que do Executivo. Depois, o Congresso mudou o trâmite das Medidas Provisórias para ter mais protagonismo nesse processo, com duas reformas em termos de emendas orçamentárias que foram importantes para alterar o balanço de forças entre Legislativo e Executivo, em 2015 e em 2019.

Nesse momento, o Executivo perdeu poder de barganha, porque uma das formas para criar a base no Legislativo era a liberação de emendas, algo que os deputados foram tendo cada vez mais poder.

Quando Bolsonaro resolve dialogar com o Congresso, ele se depara com essa dificuldade e cria o orçamento secreto, para se apropriar das emendas do relator de maneira não transparente. Foi um tapa buraco. O Supremo Tribunal Federal declara o orçamento secreto inconstitucional, e parte desse dinheiro para os Ministérios. Lula assumiu com esse cenário: um presidente da Câmara empoderado e um Congresso forte. E quis agir como se estivesse em 2003.

Quando houve a decisão do STF, já havia a discussão se só a distribuição de cargos e Ministérios seria suficiente para criar uma base no Congresso. A sensação é que o governo tinha esse diagnóstico, mas não soube criar estratégias factíveis para lidar com isso. E cometeu erros, desperdiçando parte do capital político de uma nova gestão. Bateu de frente com o Congresso na votação do Marco Legal do Saneamento e na PL das Fake News. Não eram agendas prioritárias.

Outro problema: há uma distribuição ministerial que não condiz com os votos que estão sendo entregues na Câmara. Por exemplo: o Republicanos, que não tem ministério, está votando mais com o governo que o União Brasil, que tem ministério.

Fatia do orçamento e distribuição de ministério garante voto? A barganha não pode aumentar com o tempo?

Há quem discorde de mim, mas acredito que esse seja um terreno que nós ainda não conseguimos ter parâmetros muito claros na relação entre o Executivo e o Legislativo. Aparentemente, só distribuição de ministérios e cargos não está satisfazendo a ânsia dos deputados. Tem que se levar em conta que os deputados tiveram muito acesso a poder e recurso nos últimos quatro anos, então a barganha vai ser maior. Só distribuir cargo, até aqui, tem sido insuficiente, tanto que a reclamação dos deputados tem a ver com a liberação das emendas impositivas. Essa emenda beneficia a todos igualmente. Quem está apoiando o governo quer saber das emendas do orçamento secreto que foram para os ministérios. Essas, sim, poderão ser usadas para criar a base e, de acordo com o que tem sido publicado, isso não tem acontecido. O governo está construindo base a cada votação e eu não acredito deva ser assim.

O que a senhora propõe?

Que se tenha um pacote de projetos prioritários e que o governo negocie apoio de acordo com esses projetos, porque aí você impede que essa barganha aumente a cada semana. Tem 10 projetos prioritários? Faça um acordo de apoio baseado nesses 10 projetos. É um jeito de conter a ânsia. Isso é garantia de que vai dar certo? Não, mas pode ser uma alternativa

Como viu a aprovação do arcabouço fiscal no Senado?

Elogiável por parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atuou no chão da articulação legislativa. O governo precisa aprender com o que Haddad fez ao dialogar com os parlamentares e impedir que houvesse atraso na apreciação do tema. Foi um caso que mostrou o seguinte: não basta distribuir ministério e emenda. Estamos em um momento da política em que nacional em que é preciso ter uma atuação próxima dos parlamentares ao longo do processo legislativo.

Como vê a atuação de Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Padilha, da Secretaria de Governo?

Estão errando muito, e me surpreende que o Padilha ainda esteja no cargo.

O presidencialismo de coalizão acabou?

Eu não estou pronta para declarar a morte do presidencialismo de coalizão enquanto não testarmos alternativas para os parâmetros que estão colocados. E tem uma outra coisa: em 2025 tem eleição para a presidência da Câmara, quando acaba o mandato do Arthur Lira e ele não poderá ser reeleito de acordo com a legislação. Espero que o governo esteja atento a isso, porque há uma oportunidade de disputa, mesmo com o Congresso mais à direita. Agora, é importante ressaltar que nós temos 6 meses de governo. Eu quero ver um pouco mais do jogo legislativo para dizer se o presidencialismo de coalizão morreu.

A melhora econômica pesa na articulação política?

Sim, porque o desempenho econômico é um dos temas que os eleitores mais associam com o governo, e é algo que os deputados sentem em suas bases eleitorais. Se essa evolução positiva dos indicadores persistir e/ou aumentar, cresce também o capital político do governo. Mas acredito que isso não pode ser usado pela equipe do Lula para não fazer a articulação que deve ser feita. Se eu pudesse escrever um memorando ao governo com a minha sugestão, é nunca acreditar que o jogo está ganho.

Quais devem ser as prioridades do governo nessa relação com o Congresso e na gestão nos próximos meses?

Seria bom para o Lula avançar na agenda econômica. Terminar o arcabouço fiscal, a reforma tributária... Se isso tudo isso for aprovado até dezembro, será um bom cenário, sobretudo para um primeiro ano de mandato. Sobre a relação com o Congresso, acredito que os deputados do PT não podem ter a ilusão de que pautas muito à esquerda serão aprovadas. Não se pode desperdiçar o capital político à toa, porque o diálogo não é amigável.