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Virada à direita no Chile pode se repetir no Brasil?

Alexander Busch | Kolumnist
Alexander Busch
17 de maio de 2023

Governo Lula deveria acompanhar com atenção as mudanças políticas no Chile, onde a ultradireita ganhou terreno recentemente. Muito do que aconteceu por lá corre o risco de se repetir no Brasil.

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José Antonio Kast celebra vitória eleitoral no Chile
José Antonio Kast, do Partido Republicano, que ganhou terreno no ChileFoto: Esteban Felix/AP/picture alliance

Há dez dias, o presidente chileno, Gabriel Boric, perdeu por ampla margem a eleição para o Conselho Constitucional. Depois da derrota, ele exortou o vencedor, o seu adversário político e direitista José Antonio Kast, a não cometer os mesmos erros que ele, Boric, e a aliança de esquerda havia cometido.

Na primeira elaboração de uma reforma constitucional, no ano passado, a esquerda tinha maioria na assembleia constitucional. Os constituintes elaboraram um documento radical, que considerava apenas um lado. Em setembro, essa versão foi claramente rejeitada pelos chilenos.

Desde então, a tendência política no Chile virou-se ainda mais para a direita: na eleição para o Conselho Constitucional, os eleitores optaram majoritariamente por partidos de direita e conservadores.

O Partido Republicano, de Kast, teve uma vitória avassaladora. Junto com a direita tradicional, Kast dispõe de uma maioria qualificada no Conselho. A aliança de esquerda de Boric saiu-se tão mal que nem mesmo tem direito a veto.

E assim surgiu o paradoxo de que um partido de direita que jamais quis uma nova Constituição vai controlar a elaboração da nova carta magna. Uma versão inicial deverá estar pronto em novembro.

Ainda que no Brasil não se fale em reforma constitucional, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria acompanhar com atenção as mudanças políticas no Chile. Pois muito do que aconteceu por lá poderá se repetir no Brasil.

Também no Chile, a vitória de Boric foi apertada em dezembro de 2021 — ainda que nem tão apertada quanto a de Lula, um ano depois. Mas, nos dois países, uma grande parte da população votou convictamente no espectro conservador e de direita.

Mesmo assim, Boric iniciou seu mandato fazendo política sobretudo para os próprios eleitores. Ele apoiou a reforma constitucional e conectou seu destino político à nova Constituição.

Nisso, o governo subestimou questões que, nesse meio tempo, são muito mais importantes do que novas leis para a maioria dos chilenos. Eles têm outros problemas existenciais.

A situação não é muito diferente no Brasil: Lula investiu seu capital político sobretudo para desfazer o que o seu antecessor, Jair Bolsonaro, alcançou em leis e portarias. Lula faz política para seus eleitores de esquerda e para o seu partido — e nisso esquece que muitos apenas o elegeram para impedir a continuidade de Bolsonaro no poder.

É compreensível e necessário, claro, que depois da política de tabula rasa de Bolsonaro para o meio ambiente, os indígenas e a Amazônia, Lula reconstrua os órgãos estatais e tente recuperar o controle.

O que é incompreensível, para muitos que o elegeram, é que ele queira andar para trás na educação e na lei do saneamento, nas regras de transparência em empresas estatais ou na redução da influência do governo nas empresas estatais — dentro dos interesses do seu partido, mas não da maioria dos brasileiros.

Há o risco de que Lula, à medida em que experimentar maior resistência, dedique-se cada vez mais à uma política voltada para a sua minoria de brasileiros. Isso daria um enorme impulso à direita brasileira, nova ou velha.

Conhecido o resultado no Chile, Boric disse que não é hora de revanche, mas de colocar o Chile em primeiro lugar. O mesmo poderia ser dito para Lula.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.