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Os desafios do novo governo Lula na área ambiental

28 de dezembro de 2022

Com alta da criminalidade e da impunidade na Amazônia e falta de recursos deixados como herança por Bolsonaro, Ministério do Meio Ambiente enfrentará cenário de guerra para combater desmatamento, avaliam especialistas.

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Área desmatada e com fumaça na Amazônia, em foto de agosto de 2022
Ao fim dos quatro anos de mandato de Bolsonaro, a alta acumulada de desmatamento da Amazônia foi de 60% em relação aos quatros anos anterioresFoto: Sandro Pereira/Fotoarena/IMAGO

A demora em anunciar o nome de quem comandará o Ministério do Meio Ambiente é vista como um indício dos grandes desafios a serem enfrentados na área durante o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Embora Marina Silva, ex-ministra e atual deputada federal eleita por São Paulo seja a mais cotada, o anúncio oficial ainda não foi feito.

Falta de servidores nos órgãos de fiscalização ambiental e pouco dinheiro serão grandes obstáculos para lidar com uma herança deixada por Jair Bolsonaro: a alta do crime organizado e do desmatamento na Amazônia.

"A criminalidade cresceu muito na área ambiental e fortaleceu laços com o narcotráfico e outros tipos de crime. Tem uma situação grave de impunidade, será necessário reestruturar órgãos ambientais, será algo muito complexo", avalia Adriana Ramos, assessora política do Instituto Socioambiental (ISA).

Nos últimos meses do governo Bolsonaro, o sistema de alertas de desmatamento na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou dados preocupantes. De agosto a novembro de 2022, o acumulado de devastação atingiu 4.574 km², o que representa uma alta de 51% em relação ao mesmo período do ano passado – e um recorde da série histórica.

"O cenário é de muito desmatamento, muitos garimpos irregulares, de destruição em todos os biomas. O novo governo será cobrado a dar retorno rápido e terá que, de imediato, tomar medidas fortes na área", opina Suely Vaz, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).

Diante de uma política ambiental desestruturada, órgãos de fiscalização paralisados e enfraquecidos, as medidas iniciais aguardadas pelo Ministério do Meio Ambiente precisam demonstrar eficácia e que a lei será, de fato, cumprida, apontam os especialistas ouvidos pela DW.

"O desmatamento de agora não é o mesmo de outros governos. Medidas de comando e controle não bastam, tem que envolver mais força policial, talvez o próprio Ministério da Justiça", pontua Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

Para Ramos, o confronto ganhou contornos truculentos. "Os elementos da violência com a multiplicação de clubes de caça e tiro pela Amazônia faz com que, hoje, as condições objetivas do enfrentamento disso sejam quase como uma guerra." 

Cofres vazios

A retomada do Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) é vista como essencial para o combate à devastação. Criada em 2004, no primeiro mandato de Lula e com Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente, a iniciativa reuniu diversas pastas em torno da meta de frear o desmatamento e desenvolver a região de forma equilibrada.

O aperto financeiro, por outro lado, deve ser um entrave nesse retorno. As restrições orçamentárias deixadas pelo governo Bolsonaro indicam que a pasta terá o menor volume de recursos dos últimos 20 anos, ressalta Raul do Valle, especialista em políticas públicas do WWF.

"O combate ao desmatamento não terá recursos, o governo terá que repor esse orçamento. Será difícil, dada a grande disputa por dinheiro. Portanto, o ministério terá que contar com apoio da cooperação internacional para que o Brasil consiga ter um sistema ambiental minimamente funcional neste primeiro ano", explica Valle.

É por isso que o Fundo Amazônia deveria ser retomado logo nos primeiros dias de 2023, considera Suely Vaz. "Seria importante também para que entre dinheiro para os projetos socioambientais", afirma.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebeu recursos principalmente da Noruega e Alemanha para apoiar iniciativas que combatem o desmatamento e promovem a conservação. Dos cerca de R$ 1,5 milhão desembolsados, projetos geridos pela União, estados e municípios foram os que mais receberam dinheiro, totalizando R$ 1 milhão.

Desde que assumiu a presidência, em 2019, Bolsonaro e o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, eleito deputado estadual por São Paulo nas últimas eleições, paralisaram o fundo.

Ao fim dos quatro anos de mandato de Bolsonaro, a alta acumulada de desmatamento da Amazônia foi de 60% em relação aos quatros anos anteriores, sob os presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer. É o maior aumento visto em qualquer mandato presidencial desde o início do sistema de medição Prodes, do Inpe, em 1988, destaca o Observatório do Clima.

Boiadas à espera

Na avaliação de Vaz, o Ministério do Meio Ambiente terá que ter força para coordenar a reversão de várias "boiadas" que passaram sob Bolsonaro. "As piores foram no plano infralegal, ou seja, foram decretos, portarias, e isso o governo consegue arrumar", comenta.

No plano legal, ou seja, o que foi votado e aprovado pelo Congresso, os pontos mais graves apontados são o subsídio para geração de energia a carvão até 2040 e a contratação de usinas térmicas a gás – emenda embutida no meio da lei de privatização da Eletrobras.

"Será ainda preciso retirar de votação projetos polêmicos, como o que autoriza mineração em terras indígenas e seguir a luta de retrocessos que podem ser aprovados pelo Congresso Nacional", ressalta Vaz.

Nessa arena, os embates entre a liderança da pasta e parlamentares não será fácil. "O grande problema no debate sobre a temática ambiental é que a bancada que deveria representar os produtores rurais do país tem um interesse muito maior no mercado de terras do que na questão na produção", avalia Adriana Ramos, do ISA, citando ainda outros projetos na fila relacionados ao licenciamento ambiental e à regularização fundiária de terras griladas.

"O governo Lula precisa rever tudo isso de acordo com as promessas feitas na campanha e na Conferência do Clima. A demora na nomeação para o Ministério do Meio Ambiente sinaliza isso, que há uma negociação no sentido de atender esses interesses", sugere Ramos.

O clima e a frente ampla

Para Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade, resta saber como o ministério irá coordenar as várias vertentes ambientais existentes no país.

"A gente tinha um alvo comum, que era um governo contra a agenda ambiental como foi o de Bolsonaro e que uniu todas as diversas frentes minimamente ambientalistas. Um dos desafios é o que será essa agenda ampla ambiental e climática que esse governo tem", comenta.

A priorização do combate ao desmatamento é um consenso, mas o mistério permanece em relação a outros temas interligados, como clima, energia e agricultura.

"A pauta climática não é só ambiental. Ela é econômica, é uma oportunidade para o desenvolvimento brasileiro, para a indústria. Como a pasta do Meio Ambiente vai comandar tudo isso, juntando setor privado, academia, sociedade civil, é um desafio", opina Toni.

Toda essa articulação irá ocorrer sob um Estado de direito abalado, o que deixa o quadro mais delicado, diz Valle. "O grau de impunidade e de benefício para aqueles que agem contra a política ambiental foi tamanho no governo Bolsonaro que uma cultura de impunidade se impôs", justifica.

É por isso que o novo ministério sob Lula terá que se apoiar numa comunicação bem feita com a população e no apoio político, aponta.

"Esses grupos [que se beneficiam com a impunidade de crimes ambientais] sempre tiveram e aumentaram sua influência política em Brasília, com parlamentares eleitos e outros representantes, que vão tentar a todo momento obstruir o caminho. É grave, profundo, e não tem solução fácil", adverte.