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Como retomar a agenda da igualdade de gênero no Brasil?

Foto mostra Daniela Rezende, doutora em Ciência Política pela UFMG e professora assistente na Universidade Federal de Ouro Preto, de braços cruzados diante de fundo com gramado. Ela tem cabelos curtos e escuros e usa óculos redondos e uma blusa estampada vermelha.
Daniela Rezende
9 de dezembro de 2022

Governo Bolsonaro reconfigurou completamente as políticas para mulheres e população LGBT. Violência e direitos reprodutivos deverão ser desafios principais para Lula.

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Imagem mostra rosto de mulher negra em foco, com olho esquerdo pintado com um círculo roxo e lábios maquiados de roxo também. Ela participou de um protesto em 8 de março de 2017 em São Paulo pela legalização do aborto.
"Os desafios para o governo Lula no que se refere à igualdade de gênero são enormes, passando pela necessidade de recomposição orçamentária das políticas para mulheres".Foto: Victor Moriyama/Getty Images

"Aqui tudo parece que era ainda construção e já é ruína" (Trecho da música Fora da ordem, de Caetano Veloso)

Questões de gênero foram elemento central na agenda de Bolsonaro desde a campanha presidencial de 2018, em que o plano de governo do então candidato à Presidência da República manifestava-se explicitamente contra a chamada "ideologia de gênero" – categoria acusatória que sintetiza a oposição aos avanços conquistados nas políticas para as mulheres e a população LGBTQIA+.

Nesse cenário, a perspectiva antigênero tornou-se o fundamento das políticas desenvolvidas no governo Bolsonaro, conduzidas pela ministra pastora Damares Alves.

Essa perspectiva orientou não apenas o redesenho dessas políticas, mas sua completa reconfiguração, atestada pela mudança de nome da pasta ministerial para Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos.

O foco na proteção da família nuclear, tradicional, além de reforçar papeis tradicionais associados às mulheres como naturalmente responsáveis pelo trabalho de cuidado, pode implicar em violações de direitos no contexto intrafamiliar, com destaque para a violência contra mulheres e crianças e adolescentes, além de deslegitimar e excluir da atenção governamental famílias que não se enquadram neste modelo.

Os efeitos dessa mudança foram bastante sérios, contexto agravado pela pandemia de covid-19. As mulheres brasileiras foram mais afetadas pela fome, pelo desemprego e inatividade, pelo trabalho doméstico não remunerado e pela violência doméstica, agravada pelo aumento da circulação de armas de fogo, como indica pesquisa do IPEA (2022).

Diante disso, os desafios para o governo Lula no que se refere à igualdade de gênero são enormes, passando pela necessidade de recomposição orçamentária das políticas para mulheres, já que o atual governo o reduziu drasticamente o volume de recursos executados em políticas para mulheres.

Violência e direitos reprodutivos em foco

Destaco dois temas centrais, o enfrentamento à violência e os direitos sexuais e reprodutivos. No que se refere ao enfrentamento da violência, o financiamento privilegiou a manutenção da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, voltada a receber denúncias de violência, que teve seu orçamento reduzido em 90%, o que pode inviabilizar o seu funcionamento no próximo ano.

A Casa da Mulher Brasileira, centro de referência para o atendimento de mulheres em situação de violência, criada no governo Dilma Rousseff, também foi afetada pelos cortes orçamentários, tendo recebido menos de 3% dos recursos previstos nos anos de 2020 e 2021 segundo dados da revista AzMina.

Considerando os direitos sexuais e reprodutivos, a perspectiva do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de que a vida deve ser protegida desde a concepção, implica em ameaça até mesmo do aborto legal, previsto nas hipóteses de risco à vida da pessoa gestante, de gravidez decorrente de estupro e de anencefalia fetal.

A ofensiva contra o aborto legal e iniciativas de reforço à criminalização de mulheres em situação de abortamento foram a tônica do governo Bolsonaro, como indica a Portaria 2561/2020.

Além disso, diante do perfil da legislatura eleita para 2023-2026, aos desafios apresentados soma-se a importância de articulação e negociação do novo governo com uma Câmara dos Deputados de perfil conservador.

"Ideologia de gênero usou movimento gay para impor pauta"

Finalmente, destaco a demanda de movimentos sociais pela criação de uma pasta ministerial específica para as políticas para mulheres e a centralidade de retomar as perspectivas de transversalidade de gênero nas políticas públicas, o que significa que essa discussão precisa ser articulada em todas as áreas de políticas públicas, além de uma abordagem interseccional, que articule a discussão de gênero a outros marcadores, como raça/etnia, classe e território, apenas para citar alguns exemplos, de forma a enfrentar de forma adequada a complexidade da desigualdade de gênero, estrutural no Brasil.

A retomada dos mecanismos participativos, como as Conferências de Políticas para Mulheres, também precisa ser garantida, de forma a fortalecer não apenas essa área específica, mas sobretudo a democracia brasileira e a soberania popular.

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Planaltices é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora da UFMG Magna Inácio, a coluna é publicada simultaneamente pela DW Brasil e repercutida no blog do PEX

Daniela Rezende é doutora em Ciência Política (UFMG) e professora adjunta na Universidade Federal de Ouro Preto.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Planaltices

Esta coluna é uma parceria da DW Brasil com o PEX, núcleo de estudos sobre presidencialismo institucional da UFMG e capitaneado por Magna Inácio.