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Como Junho de 2013 afetou as novas gerações?

20 de junho de 2023

Ex-manifestantes das jornadas de junho, Fernando Holiday e Luana Alves são hoje vereadores em campos opostos. Em entrevista à DW, os dois refletem sobre o impacto dos protestos e o protagonismo político de jovens.

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Trajando a camisa da seleção brasileira e uma máscara de Guy Fawkes, o V de Vingança, homem caminha durante protesto em Fortaleza em junho de 2013. Atrás dele há uma barricada pegando fogo e chamas negras.
Homem mascarado durante protesto em Fortaleza em junho de 2013Foto: Andre Penner/AP/picture alliance

Quando os protestos de Junho de 2013 sacudiram o Brasil, os então estudantes Fernando Holiday e Luana Alves ainda não imaginavam o quanto aquele período seria decisivo para o futuro do país e para o próprio ativismo político deles dois.

Jovem periférico e filho de mãe solo, Holiday acabaria se projetando nacionalmente à frente do Movimento Brasil Livre (MBL), uma das organizações que encabeçou os protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Chateada com o aumento da tarifa do transporte público, Alves simpatizou com o Psol ainda durante as primeiras manifestações convocadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) – para desgosto do pai petista, ex-preso político torturado pela ditadura.

Vivendo na maior metrópole da América Latina e militando sob relativo anonimato em lados opostos das trincheiras que cindiriam o Brasil dali em diante, Holiday e Alves dividem hoje a tribuna da Câmara de Vereadores de São Paulo – ele pelo Republicanos, sigla que fez campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL), e ela pelo Psol, da base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em entrevista, os dois refletem sobre os impactos de Junho de 2013 no ativismo político das novas gerações.

DW Brasil: Quem era você quando começou Junho de 2013?

O vereador por São Paulo Fernando Holiday (Republicanos) trajando paletó azul e camisa branca.
O vereador por São Paulo Fernando Holiday (Republicanos), hoje com 26 anosFoto: Vitor Liasch

Fernando Holiday: Tinha 17 anos e cursava o ensino médio numa escola pública na periferia de São Paulo. Até tinha começado a criar uma consciência política mais liberal, mais à direita, mas não era muito engajado.

Luana Alves, vereadora de São Paulo pelo Psol, durante audiência na Casa, trajando uma roupa preta de mangas longas e um xale amarelo. Ela usa brincos e tem o cabelo trançado.
Luana Alves, vereadora de São Paulo pelo PsolFoto: Afonso Braga/Câmara Municipal de São Paulo

Luana Alves: Tinha 20 anos, era uma jovem negra, vinda de outra cidade, cursando a graduação de psicologia na USP. Assim como muitos da minha geração, não tinha vivido grandes processos de participação política.

Como se envolveu com os protestos e como isso mudou o seu destino?

FH: Em 2013 eu não cheguei a ser um dos líderes das manifestações, como fui depois em 2015, 2016, mas foi a partir daquele momento que eu comecei a me interessar mais por política, a procurar entender melhor os fatos e a ter vontade de me tornar um ativista.

Era contrário à pauta originária, do passe livre, acreditava que não havia orçamento suficiente. Gravei alguns vídeos sobre aquilo. Passei a defender as manifestações quando elas realmente se ampliaram, com a defesa de independência da Polícia Federal, do Ministério Público, contra a corrupção. Isso [o ativismo na internet], mais tarde, fez de mim uma figura pública de direita.

LA: Participei já dos primeiros protestos porque eu era uma jovem diretamente atingida pelo aumento do custo de vida. Sou filha de um homem que foi preso e torturado pela ditadura militar, que esteve na fundação do PT. Meu pai ficava enlouquecido na época, dizia que era para eu sair da rua, que era um complô para prejudicar a prefeitura do [Fernando] Haddad.

Lembro de ir para a rua com uns colegas de curso e não saber como lidar com a repressão policial. Tinha um pessoal do Psol que dispersava em bloco na hora que vinha bomba. Eles não apanhavam. Aí eu comecei a ir junto com esse pessoal. Mas só fui pensar em me candidatar em 2019.

O que os jovens da sua geração queriam naquela época e o que você acha que eles querem hoje? Mudou alguma coisa de lá para cá ou as pautas são as mesmas?

FH: Uma das demandas era justamente por educação de qualidade e mais atrativa, principalmente no ensino médio, diminuindo a evasão, já que muitos adolescentes não completavam essa etapa (e ainda hoje não completam) porque precisam ir trabalhar ou não veem sentido na escola. Tentaram solucionar isso com a reforma do ensino médio, só que a reforma encontrou várias falhas, vários problemas, e ainda precisa ser repensada e estudada. Também o desemprego entre os jovens ainda é um desafio, principalmente depois da pandemia. São pautas que estavam presentes em 2013 e que permanecem, infelizmente, ainda dez anos depois.

LA: Os jovens continuam querendo ser mais ouvidos – não em abstrato, mas para reverter retrocessos como o sucateamento das universidades públicas e do Enem e o novo ensino médio, que aumenta o abismo entre a escola particular e a pública. Também querem inclusão não só pela via do consumo.

O Brasil elegeu um governo agora que é o oposto do [Jair] Bolsonaro. Se as pessoas não virem uma mudança real do ponto de vista ideológico, cultural e também econômico, a gente pode ficar em maus lençóis no próximo período.

Em termos de participação política dos jovens, o que mudou? As novas gerações devem algo àquela turma que saiu às ruas em 2013?

FH: As redes sociais passaram a ser um espaço de discussão política constante. Isso a gente não via muito até 2013. Era mais por lazer, algo do âmbito da vida privada. Hoje são verdadeiras praças de discussão política.

Isso facilitou a entrada do jovem na política institucional e a participação também enquanto ativista. Eu utilizo o meu próprio exemplo: as únicas coisas que me cacifaram foram o meu ativismo político e o meu alcance nas redes sociais. Isso vale para vários jovens hoje que estão na política, tanto à esquerda quanto à direita.

LA: Vejo um aumento na participação de fato. É visível se você olhar os parlamentos, por exemplo, a nível estadual, municipal – e com mais mulheres e pessoas negras, embora ainda aquém do que deveria ser. Mas acho que a gente é que deve algo a essa juventude, no sentido de seguir lutando pela sua inclusão econômica e política. Devemos espaço, e também a revogação do novo ensino médio.

Você diria que hoje é mais fácil ou mais difícil um jovem se interessar por política?

FH: O avanço do acesso à internet, as discussões políticas nas redes sociais, e até mesmo a própria polarização política acabam tornando mais fácil. Acho que a principal dificuldade que a gente tem que superar é a escola conseguir acompanhar esse avanço. Como o modelo de ensino não foi modificado ao longo do tempo – e as tentativas de modificar ainda são muito mal-experimentadas, como é o caso do novo ensino médio –, o jovem ainda não encontra essa experiência na escola, mas fora dela está muito mais fácil.

LA: É uma pergunta difícil. Em junho de 2013, por ter uma efervescência das ruas muito grande, a gente conseguia falar mais sobre política. Existia um clamor popular que hoje a gente tem menos. Ao mesmo tempo, hoje há mais jovens, mulheres e pessoas negras em espaços de poder, com maiores possibilidades de acessar espaços de decisão.

Como a pandemia e o acirramento da polarização política afetaram as novas gerações?

FH: A polarização faz com que a internet seja esse ambiente um pouco mais tóxico, por conta das discussões que muitas vezes descambam para o radicalismo, mas é sintoma de algo que considero muito positivo, que é a conscientização política. O grande desafio é a gente amadurecer essa polarização para que ela não se torne prejudicial ao convívio em sociedade.

Com a pandemia, as pessoas passaram a acessar mais a internet e, consequentemente, a gastar mais tempo discutindo política. Nesse ponto, acabou sendo positivo para a conscientização das novas gerações sobre a necessidade de se participar mais do debate público. Hoje, me parece que está cada vez mais fácil tratar com os jovens desses assuntos e, à direita, tenho visto interesse e participação crescentes. Claro que tem um peso político maior quando as pessoas se movimentam nas ruas, né? Mas do ponto de vista da consciência da importância da política para a nossa vida, acho que isso não foi afetado.

LA: Uma geração foi profundamente atingida no sentido de não ter tido direito a espaços sociais básicos. Ficar mais de um ano sem poder ir à escola é um golpe muito grande. Desmobiliza, cria uma situação de isolamento.

A desigualdade social também aumentou, com perda de renda entre jovens, pessoas periféricas e mulheres. Há quem acredite que quanto pior as pessoas estiverem do ponto de vista econômico, mais elas vão se revoltar. Eu acho que é o contrário: é mais difícil se organizar quando você tem um nível de precariedade, de desemprego, de fome tão grande como o que a gente vive. As pessoas querem participar, elas debatem os assuntos, votam em pessoas como eu, mas não têm condição, às vezes, de ir para a rua nesse momento.

São muitos elementos – tem também a agressividade do bolsonarismo, o aprofundamento de bolhas nas redes sociais. É um nível de fake news, de realidades paralelas, que eu não via dez anos atrás.

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