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Ultradireita alemã pode ser classificada como "extremista"?

Publicado 12 de março de 2024Última atualização 13 de maio de 2024

Nos tribunais, partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) tenta suspender a vigilância de serviços de inteligência, que investigam a legenda por suspeita de extremismo. Até agora, recursos foram negados.

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Mulher com um gorro verde com um pequeno cartaz contra a AfD
A Alemanha tem sido palco de sucessivas manifestações contra a AfD em 2024Foto: Jacob Schröter/dpa/picture alliance

Há anos, um embate entre o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) – serviço de inteligência nacional da Alemanha – tem ocupado regularmente tribunais na Alemanha. Em disputa está a prerrogativa de o BfV poder investigar legalmente o partido por suspeita de atividades anticonstitucionais – ou seja, por extremismo político.

Nesta segunda-feira (13/05), uma corte de jurisdição regional, o Tribunal Administrativo Superior (OVG) em Münster, no oeste da Alemanha, rejeitou recurso da legenda contra a classificação como uma organização "suspeita" de extremismo de direita. Essa designação facilita ao BfV investigar e vigiar membros do partido, além de recrutar informantes de dentro da organização.

Os juízes em Münster afirmaram que a classificação é apropriada e que não viola a Constituição alemã ou leis europeias. No comunicado dos magistrados, consta que o tribunal acredita haver "evidências suficientes de que a AfD persegue objetivos que contrariam a dignidade humana de alguns grupos e a democracia. Esses são fundamentos para suspeitar que pelo menos parte da legenda quer tratar cidadãos alemães com origem migratória como cidadãos de segunda classe."

A AfD criticou a decisão, afirmando que o processo "não esclarece suficientemente os fatos", e que, "obviamente", recorreria novamente da decisão.

Em 2022, a agremiação já tinha perdido recurso contra a designação na cidade de Colônia. A AfD ainda pode interpor um recurso em nível federal no chamado Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht, ou BVerwG) em Leipzig. Nessa instância, porém, a análise se restringiria a avaliar erros formais do processo, e não o mérito ou conteúdo da ação.

Suspeita de extremismo de direita

A AfD contestou uma decisão de 2021 que colocou a legenda sob investigação por suspeita de extremismo de direita. Essa designação veio depois que o BfV, que anteriormente se limitava a considerar a AfD um "caso de interesse", apontou que o partido havia se radicalizado cada vez mais. O rótulo anterior significava que somente informações disponíveis publicamente poderiam ser avaliadas para determinar uma possível ameaça da AfD à democracia alemã.

Naquela época, o serviço de inteligência nacional tinha que se limitar a agir como um cidadão comum interessado nas atividades da AfD: ler artigos em jornais e portais online, assistir a reportagens de TV e vídeos na Internet e ouvir os discursos dos membros da AfD no Parlamento e em congressos do partido. Mas só isso foi suficiente para o BfV reclassificar a AfD como um "caso suspeito".

O partido que faz alemães temerem a volta do nazismo

Essa classificação mais rígida permite que as autoridades usem métodos confidenciais para monitorar o partido e seus membros. Com ela, por exemplo, é possível tentar recrutar membros da AfD e indivíduos associados a ela como informantes confidenciais ou "pessoas de confiança". Em algumas circunstâncias, as telecomunicações também podem ser monitoradas.

É essa vigilância que a AfD tentou derrubar no Tribunal Administrativo Superior. Se a AfD tivesse sido bem-sucedida, restariam poucas opções para o BfV.

No entanto, como o tribunal manteve o monitoramento, o BfV pode tomar a decisão de ir mais longe, seguindo o exemplo de serviços de inteligência regionais dos estados da Turíngia, Saxônia e Saxônia-Anhalt, que classificam os diretórios locais da AfD como "comprovadamente extremistas de direita".

Membros ou diretórios classificados como "extremistas de direita comprovados" podem esperar ser alvo de monitoramento ainda mais severo dos serviços de inteligência.

Em janeiro, a revelação de um encontro entre membros da AfDe neonazistas em Potsdam, no qual foram discutidos para uma deportação em massa de milhões de pessoas com raízes estrangeiras causou escândalo na Alemanha e aumentou a pressão por mais vigilância sobre o partido.

Um banimento da AfD?

Com a perda de seu recurso legal, o partido também poderia esperar um esforço oficial pelo seu banimento.

O BfV já estabeleceu requisitos específicos para uma medida do tipo, segundo os quais deve haver "evidências factuais" que demonstrem que um partido pretende atacar e acabar com a ordem constitucional livre e democrática da Alemanha. Na história alemã do pós-guerra, apenas dois partidos políticos foram banidos pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: O Partido Socialista do Reich (SRP) –de extrema direita –, em 1952, e o Partido Comunista da Alemanha (KPD), em 1956 – ambos no antigo território da Alemanha Ocidental.

"Nesse momento, um processo para banir o partido ainda teria que identificar um elemento que seja ativamente militante, em outras palavras, que aja de acordo com um plano", disse o presidente do BfV do estado da Turíngia, Stephan Kramer, em março. "Para que isso aconteça, não é necessário que nenhum crime tenha sido cometido".

Beatrix von Storch e Jair Bolsonaro
Em 2021, a deputada Beatrix von Storch, da AfD, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair BolsonaroFoto: Team von Storch/dpa/picture alliance

Fim do fundo partidário para a AfD?

Legalmente, cabe ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidir se um partido pode ser banido. Uma solicitação de proibição pode ser apresentada pelo governo federal, pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento) ou pelo Bundesrat (Câmara alta, que representa os 16 estados do país).

Na cidade-estado de Bremen, os diretórios da atual coalizão governamental local – o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e o partido A Esquerda – estão se preparando para fazer exatamente isso.

No entanto, a maioria dos alemães permanece cética: em fevereiro de 2024, 51% afirmavam ser contra um banimento da AfD, de acordo com uma pesquisa do instituto Infratest-Dimap.

Outra maneira de enfraquecer o partido seria desqualificá-lo para acessar o fundo partidário. Essa é a principal fonte de renda da maioria dos partidos, além das taxas de filiação e doações. Em janeiro, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tomou uma medida similar contra o partido de extrema-direita A Pátrianovo nome adotado pela antiga sigla neonazista Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) –, uma legenda bem menor que a AfD, mas que é vigiada há décadas pelos serviços de inteligência.

Se isso será possível contra a AfD, no entanto, permanece uma questão sobre a qual os especialistas mostram opiniões divergentes. O mesmo ocorre com a chance de um banimento total bem-sucedido.

Histórico da AfD

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração e membros que se destacam na imprensa por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas e é vigiada de perto por serviços de inteligência da Alemanha como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país.

O partido também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No momento, a AfD tem aparecido em segundo lugar nas pesquisas nacionais, com entre 17% e 19% das intenções de voto. É especialmente forte nos estados do leste, que compunham a antiga Alemanha Oriental comunista. Nos últimos dois anos, políticos da sigla que têm seus redutos nessa área adotaram posições pró-Rússia, anti-sanções e contra ajuda militar ocidental à Ucrânia.

O que torna a ultradireita bem-sucedida no leste alemão?

Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.